Monday, March 17, 2008

Crónica Semanal

Caros Amigos,
Gostaríamos de partilhar convosco esta crónica recebida, da autoria de Ana Paula Fitas, aderente ao G.A.T.
Obrigada Ana.
Rádio Terra-Mãe – Rubrica: “Alentejo em Análise”

Crónica nº 27 – Gravada em 17 de Março de 2008

Identidades Culturais e Direitos Humanos


"Se fosse simples e linear, a História da Humanidade evoluiria sem retrocessos e não seria possível aos cidadãos perderem direitos adquiridos… nem seriam admitidos atentados contra a dignidade das pessoas e dos povos como é o caso das inúmeras violações dos Direitos Humanos a que estão expostas e sujeitas populações em todo o mundo…

… Se a História da Humanidade fosse justa, não seriam possíveis injustiças e crueldades… Se a História da Humanidade fosse autónoma e lógica não atentaria contra a vida das pessoas e utilizaria sempre o diálogo como forma de resolução dos problemas…

Mas não… a História da Humanidade não é simples, nem linear, nem justa, nem autónoma, nem lógica… a História da Humanidade é feita por seres humanos que sobrepõem os seus interesses pessoais e de grupo aos interesses colectivos e que executam o poder de acordo com o princípio do lucro imediato em benefício próprio…

… esta lógica, perigosa e cruel, não olha a meios para alcançar os seus fins… e a sua teoria, enquanto forma legítima de exercício do poder, foi legitimada no Ocidente, no século XVI, por Maquiavel… outros povos e culturas também legitimaram, ao longo da sua história, a crueldade e a violência como formas defensáveis de gestão política…

Na verdade, podemos compreender que, ao longo do tempo, as formas de actuação privadas e políticas coincidam… e a violência, a agressão e a imposição da autoridade gratuita foram, até meados do século XX, formas comuns de estar em sociedade…

Na verdade, foi só depois da II Guerra Mundial, em 1945, quando os países aliados que juntaram europeus e americanos na luta contra o horror do holocausto, perceberam que tinham que tomar medidas no sentido de impedir que novos horrores se repetissem por determinação da crueldade singular de um homem louco cujos valores não reconheciam o direito à existência e coexistência pacífica dos povos, pensamentos e culturas diversas, que foi criada a Carta dos Direitos do Homem.

Porém, depois de 1945, muitos foram os países que a ela aderiram e hoje, na primeira década do século XXI, é crime atentar contra os Direitos consagrados nessa Carta de validade universal, cujo objectivo é proteger da crueldade e da humilhação a vida de todos os homens e mulheres do planeta onde quer que se encontrem…

Foi o reconhecimento dos Direitos do Homem que justificou a progressiva conquista de direitos sociais e fundamentais dos cidadãos em cada país do mundo, com particular incidência na Europa… e muitas gerações foram já educadas tendo como princípio inquestionável e inquebrável a Defesa dos Direitos Humanos e a dos Direitos Fundamentais e Sociais dos Indivíduos, dos Trabalhadores e dos Cidadãos…

É por isso que se torna intolerável saber que ainda hoje, por muitos mais locais do que sabemos, os Governos actuam contra as populações, que praticam terrorismo de Estado contra os seus próprios cidadãos ou que admitem, nos territórios que dizem liderar, guerras, guerrilhas, fomes, pobreza, miséria e crueldade…

Porque há formas de se ocultar a crueldade e a violência… tão simples como, simplesmente, através da negação da sua ocorrência… e essa atitude é ainda mais condenável pelo cinismo e falta de escrúpulos que revela… torna-se doloroso e insuportável conhecer o sofrimento dos povos e nada poder fazer porque, politicamente, os Governos se protegem uns aos outros, numa lógica de defesa comercial e financeira, à qual pouco importam as pessoas…

E esta crueldade cega dos Governos que justifica o apoio internacional à realização dos Jogos Olímpicos em Pequim, é, muitas vezes, uma questão de escala… porque, hoje em dia, os Direitos Humanos são violados de múltiplas formas, mais ou menos reconhecidas enquanto tal… sempre que não há igualdade de oportunidades, acesso à verdade e à prática da equidade, estamos perante a admissibilidade de injustiças que configura um atentado contra os Direitos Humanos…

No entanto, o sentido de responsabilidade social que cabe a cada um de nós, como pessoa e como cidadão, não permitirá que deixemos de chamar a atenção para a injustiças e os atentados configurados pelas práticas sociais e políticas que, por muito legitimadas que sejam, não escapam ao facto de serem perspectivadas ao nível dos seus efeitos mais perversos e muitas vezes, imprevistos… imprevistos porque, na pressa de defender os interesses corporativos, nem sequer se hesita um instante a pensar as consequências que, de cada atitude, podem resultar…

Aos cidadãos resta manifestar a opinião… uma opinião crítica, capaz de dar visibilidade às causas e de permitir uma espécie de movimento ecológico universal em defesa dos princípios defendidos, proclamados e reconhecidos pelos Direitos Humanos…

… o facto dos Governos negarem as suas más práticas é, como tão bem o sabemos em relação, por exemplo, ao que é feito com a manipulação das estatísticas, irrelevante… na verdade, a longo prazo e talvez com custos elevados para todos nós, a consideração pelos Governos e pela própria ideia de Estado são conceitos que vão ficando cada vez mais desvalorizados e os cidadãos deixam, cada vez mais, de acreditar nos governantes e na política…

… disso é sinal o elevadíssimo grau de abstenção que se vem registando nos actos eleitorais da maioria dos países europeus em que é possível a realização de eleições livres… por descrédito das autoridades governamentais, os povos não votam porque não acreditam…

Ora, como não há democracias nem legitimidade de exercício do poder sem o apoio dos cidadãos, é urgente que se repensem as relações políticas dos eleitores com os governantes e os candidatos a este papel, nos planos nacionais e internacionais no sentido de se exigir o respeito pelo diálogo e o direito à diferença…

Como poderemos continuar a aceitar a miséria extrema do Chade ou do Darfur, da Etiópia ou da Índia? Como poderemos conviver de boa-fé com a política e os seus executores sabendo que, em momentos decisivos, se unem com os injustos, os cruéis e os violentos ditadores do mundo que atiram sobre manifestantes indefesos e promovem genocídios culturais como forma última e radical de exterminar a cultura dos povos e das pessoas?

Como poderemos respeitar quem não levanta a voz contra a crueldade manifesta e se manifesta cúmplice nas estratégias de ocultação da violência contra os Direitos Humanos em nome dos negócios e do dinheiro, independentemente da injustiça e do valor da vida humana?

Hoje, eles; amanhã, nós… o circuito da violência é contínuo, contagioso e progressivo… das pequenas e insignificantes pequenas coisas às grandes coisas, vai um passo… e, pelo que nos é dado ver, não há limites para a falta de escrúpulos…


… fez-se a guerra no Iraque em nome de mentiras; por causa disso, morreram e continuam a morrer pessoas e destruiu-se um país, um povo, uma sociedade…

… agora, ao fim de 49 anos de ocupação militar e invasão demográfica, no limite da destruição cultural de um povo que se manteve pacífico, a China invadiu Lhassa e as principais cidades do Tibete com milhares de soldados que não hesitam em matar e aterrorizar uma população em vias de extinção – que insistem em apelidar de “minoria” quando foram os próprios chineses a eliminar a população tibetana, numa espécie de tortura surda e progressiva a que o Dalai-Lama chamou “genocídio cultural” para evitar acender a raiva do exército chinês e do seu Governo que continua, com um riso amarelo, a negar as evidências depois de 50 anos consecutivos de prepotência e violação dos Direitos Humanos…

“Ontem por Timor, Hoje pelo Tibete” – é o lema do apoio internacional em Portugal à causa tibetana cujos maus-tratos por parte da China indignam todos os seres de boa-vontade.

Mantenhamos acesa a luz da crítica e dos nossos melhores sentimentos na solidariedade com o povo tibetano… até porque, como eu dizia aos ouvintes na crónica que aqui vos trouxe na semana passada, cedo ou tarde emergem sempre as nossas identidades culturais e é preciso acreditar na cooperação e na entreajuda solidária, na independência e no valor inquestionável das identidades culturais de todos os povos e de todos os cidadãos… Afinal, cultura é a alma de um povo e a verdade que subsiste à razão de ser de cada país e de cada região… do Tibete ao Alentejo!"

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